COVID-19 E A DOENÇA OCUPACIONAL

Desde o início da Pandemia provocada pelo Coronavírus um dos temas que mais tem gerado discussões jurídicas é o enquadramento, ou não, da COVID-19 como doença ocupacional, ao ponto de exigir que o empregador emita uma Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT quando da contaminação do trabalhador.

Para uma melhor análise do tema, o primeiro ponto a analisar é o conceito de doença ocupacional, que está definida nos incisos I e II do “caput” do art. 20 da Lei nº 8.213, de 1991, como:

– Doença profissional: considerada a enfermidade produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade. Portanto, diz respeito às enfermidades que não são identificadas na população em geral, mas decorrem especificamente do exercício da atividade desempenhada em determinado ambiente de trabalho.

– Doença do trabalho: considerada a enfermidade adquirida ou desencadeada em função de determinadas condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. Desta feita, não guarda relação direta e presumida com a atividade laboral do trabalhador, sendo adquirida em razão de condições especiais em que o trabalho é desenvolvido. Em razão disso, é imprescindível se buscar a comprovação de que seu acometimento se deu em virtude do trabalho que foi realizado.

Portanto, pode-se concluir que, tanto na doença profissional como na doença do trabalho, é obrigatória a comprovação do nexo de causa e efeito entre a doença e o trabalho. Inexistindo a comprovação do nexo de causalidade, a doença não tem como ser considerada ocupacional.

A Medida Provisória nº 927, publicada em 22 de março de 2020, previa expressamente, em seu art. 29, que a contaminação pelo novo coronavírus não seria considerada doença ocupacional (provocada pelo ambiente de trabalho), exceto mediante comprovação do nexo causal.

Tal dispositivo trouxe diversas discussões acerca da sua constitucionalidade e, nesse sentido, foram ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade, as quais versavam acerca da suspensão da eficácia do art. 29 da MP 927/2020.
Em abril, o Plenário do STF, no julgamento da medida liminar requeridas nas ADIs, decidiu pela suspensão, liminarmente, da eficácia do referido art. 29. Em 05 de agosto, o Relator das ADIs, o Ministro Marco Aurélio, assentou a perda do objeto das referidas ações, tendo em vista que a Medida Provisória n° 927 perdeu sua validade em 19 de julho, por não ter sido convertida em lei em tempo hábil.
No dia 1º de setembro de 2020 foi publicada pelo Ministério da Saúde a Portaria nº 2.309, de 28 de agosto de 2020, que atualizou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), e a Covid-19 causada pelo coronavírus havia sido incluída como doença ocupacional. Entretanto, a referida norma foi tornada sem efeito no dia seguinte, por meio da Portaria nº 2.345, de 2 de setembro de 2020.

Considerando a decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio e a extinção das ADIs, bem como a revogação da Portaria que atualizava a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), o tema permanece regido pela Lei n.º 8.213/1991 e dependerá da comprovação do nexo de causalidade, salvo nos casos em que o INSS estabelecer a presunção decorrente do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), o que não é o caso da Covid-19.

Desta forma, tais decisões reduzem a insegurança jurídica e as dúvidas por parte das empresas sobre o tema uma vez que a contaminação de qualquer pessoa poderá ocorrer em casa, no deslocamento residência x trabalho e vice-versa, nos estabelecimentos comerciais, nas atividades de lazer, não havendo como a contaminação ser direcionada automaticamente para o ambiente de trabalho.

Quando se leva em consideração que a COVID-19 é uma doença epidêmica, causada pela contaminação por meio de um vírus, que ainda é muito pouco conhecido, e nem mesmo os cientistas e médicos ainda têm como identificar e comprovar o exato momento em que tenha ocorrido a infecção, não há como o novo coronavírus ser classificado como doença ocupacional.
O entendimento majoritário, portanto, é de que o reconhecimento da COVID-19 como ocupacional deixa de ser automático e o empregado depende da comprovação do nexo causal, por meio de minuciosa e séria investigação médica, que identifique com exatidão e certeza a relação entre a doença e o ambiente de trabalho, ou mesmo em relação às condições em que o trabalho tenha sido exercido.

Verifica-se, assim, que o enquadramento como doença ocupacional dependerá de cada caso, não sendo possível qualquer generalização nesse sentido.

Apenas se caracterizado o nexo causal entre a doença e o exercício do trabalho (ou as condições em que o mesmo é exercido), é que a empresa deverá emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT e garantir os direitos inerentes aos seus funcionários.

Importante destacar que o nexo técnico epidemiológico será verificado pelo médico perito no INSS (art. 21-A da Lei nº 8.213/91) e, caso o empregador discorde, pode recorrer ao órgão competente para afastar o liame causal.

Caberá ao empregador, em eventual discussão administrativa ou judicial futura, demonstrar os cuidados que adotou para preservar a saúde de seus trabalhadores, como identificação de riscos, histórico ocupacional, trabalho em home office, escalas de trabalho, rodízio de profissionais, orientação e fiscalização sobre adoção de medidas relacionadas à saúde e segurança, além da entrega de equipamentos de proteção individual (EPI ’s).

Em caso de ação trabalhista movida pelo empregado questionamento a responsabilidade civil da empresa e o reconhecimento do Covid-19 como uma doença de natureza ocupacional, nos termos do art. 818, da CLT, competirá à empresa comprovar que adotou todas as medidas necessárias para evitar a contaminação dos empregados dentro do ambiente do trabalho. Uma vez que, havendo a demonstração da inércia da empresa, neste caso, esta poderá ser condenada a indenizar os danos materiais e morais aos empregados, bem como, no reconhecimento do Covid-19 como sendo de natureza ocupacional.

Desta forma, é imprescindível que as empresas documentem todas as iniciativas preventivas adotadas em relação à saúde de seus empregados, bem como orientações e treinamentos, a fim de poder demonstrar, em eventual discussão futura, que cumpriram com todas as obrigações e cuidados cabíveis a fim de preservar a saúde de seus colaboradores.

Este também é o entendimento da Nota Técnica SEI nº 56376/2020 ME.

Por:  Luciana Losquiavo

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